DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais possuem caráter de "norma constitucional", São direitos com fundamento no Princípio da Soberania Popular, tais direitos tendem a obedecer os critérios de razoabilidade e proporcionalidade previstos na lei , suas caracteristicas são: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, concorrência, efetividade, interdependência e complementaridade.

Os direitos fundamentais são invioláveis, enquanto não podem ser desrespeitados por qualquer autoridade ou lei infraconstitucional, sob pena de ilícito civil, penal ou administrativo

A efetividade dos direitos fundamentais é assegurada pelos meios coercitivos dos quais dispõe o Estado para garantir a possibilidade de exercício das prerrogativas constitucionais ora aventadas.

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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

REGIME DE BENS E ALGUMAS ABSURDAS INCOMUNICABILIDADES

ENFOQUE DE MARIA BERENICE DIAS

REGIME DE BENS E ALGUMAS ABSURDAS INCOMUNICABILIDADES

O QUE É MEU É MEU, O QUE É TEU É TEU;
E, DO QUE É NOSSO, METADE DE CADA UM.

Essa é a lógica que rege o regime da comunhão parcial de bens. Os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges antes do casamento são de sua propriedade particular. Já o patrimônio amealhado durante a vida em comum pertence a ambos, pois há a presunção de que houve mútua colaboração na sua constituição.
Sem dúvida, esse critério é o que melhor atende a elementar princípio ético, preservando a titularidade dos bens a quem os adquiriu. Aliás, não foi outro motivo que levou o legislador a eleger o regime da comunhão parcial quando, antes do matrimônio, não optam os noivos por outro regime por meio de pacto antenupcial.
O casamento gera a comunicabilidade dos bens em face da presunção de que houve conjugação de esforços para sua aquisição. Inobstante tal possa não ser verdadeiro, ou seja, mesmo que não tenha havido a participação de ambos, ainda assim se instala o estado condominial. Para não deixar dúvidas, explicita a lei algumas hipóteses (CC, art. 1.660). Apesar de adquirido por só um dos cônjuges, e em nome próprio, o bem passa a ser dos dois (CC, art. 1.660, I). Também se torna comum o que é amealhado por fato eventual com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior (CC, art. 1.660, II).
O exemplo que sempre vem à mente é o prêmio de loteria: mesmo adquirido o bilhete antes do casamento, ocorrendo a contemplação depois das núpcias, o prêmio pertence a ambos os cônjuges. Outras especificações da lei deixam evidente que a atribuição de titularidade está ligada à presunção da comunhão de esforços. As benfeitorias realizadas nos bens particulares de cada cônjuge entram na comunhão (CC, art. 1.660, IV). A comunicabilidade existe também sobre os frutos dos bens, tanto particulares, como comuns (CC, art. 1.660, V).
Todas essas explicações levadas a efeito pelo legislador servem para realçar que incide o princípio da comunicabilidade dos bens amealhados depois das núpcias. Isso porque o casamento gera a comunhão de vidas (CC, art. 1.511), os cônjuges têm o dever de mútua assistência (CC, art. 1.566, III) e ambos são responsáveis pelos encargos da família (CC, art. 1.565). Portanto, embora não haja a participação efetiva dos dois, há que dividir o patrimônio comum, independentemente de quem o tenha adquirido.
Essa regra, no entanto, comporta exceções. Assim, a par da consagração da regra da comunicabilidade, há bens excluídos da co-titularidade (CC, art. 1.659). Ficam fora da comunhão os percebidos por doação ou por direito sucessório, pois pertencem somente ao beneficiário, mesmo que recebidos na constância do casamento (CC, art. 1.659, I). A falta de colaboração do consorte quando da aquisição de bem anterior ao casamento justifica a incomunicabilidade do patrimônio amealhado por sub-rogação dos bens particulares (CC, art. 1.659, II). Porém, não só os bônus, também alguns ônus não são compartilhados. Não há responsabilidade de um dos cônjuges com relação às obrigações anteriores ao casamento assumidas pelo outro (CC, art.
1.659, III). Talvez a regra que identifica a responsabilidade referente às obrigações provenientes de atos ilícitos seja a mais esclarecedora quanto a essa dinâmica (CC, art. 1.659, IV). O infrator responde pelos prejuízos decorrentes de seu agir. No entanto, tendo havido proveito de ambos com o produto da ação ilegal, a responsabilidade solidariza-se.
Se tais dispositivos sequer necessitam de maior esforço para serem entendidos, outras hipóteses de exclusão da comunicabilidade dos aqüestos revelam-se de todo absurdas, injustificáveis, injustas e, por tudo isso, inconstitucionais, é lógico.
São excluídos da comunhão os livros e os instrumentos da profissão (CC, art. 1.659, V), isso não só no regime da comunhão parcial, mas também no da comunhão universal de bens (CC, art. 1.668, V).
Essa regra parece decorrer da presunção de que tais bens foram adquiridos exclusivamente pelo cônjuge que deles faz uso para o desempenho de seu trabalho. Trata-se de exceção ao princípio da comunicabilidade e, ainda assim, é uma exceção absoluta, por inadmitir prova em contrário. Não há qualquer motivo para inverter regra que tem por base o pressuposto da solidariedade familiar.
Descabido atribuir exclusivamente a um dos cônjuges bens adquiridos durante o casamento, pelo simples fato de destinarem-se ao ofício profissional.
Cabe trazer como exemplo consultórios dentários, tratores, caminhões e até sofisticadas aparelhagens de sons, cujos valores sabidamente são muito elevados. Sem qualquer fundamento, pressupõe a lei que foram adquiridos por quem os utiliza. Porém, o que se vê diuturnamente é exatamente o contrário: o esforço do par na aquisição dos meios para um deles desempenhar seu mister.
Talvez a previsão legal tenha buscado garantir o exercício profissional e, quiçá, assegurar a quem trabalha condições de proceder ao pagamento dos alimentos ao outro cônjuge e aos filhos. Ainda assim, a regra não se justifica. Basta que se assegure, por ocasião da partilha, que tal patrimônio fique com quem os utiliza. Até é possível cogitar da indisponibilidade ou, quem sabe, impedir a partilha ou a venda dos bens indispensáveis ao exercício da atividade profissional. O que descabe é singelamente atribuir o bem a quem o utiliza.
Conquanto tenha o legislador mantido esta hipótese de exclusão da comunicabilidade, às claras que se trata de dispositivo desprovido de sustentação dentro do sistema jurídico. Nitidamente é fonte de enriquecimento sem causa de um com relação ao outro, que, muitas vezes, fez enormes sacrifícios para adquirir o instrumental necessário para o parceiro trabalhar. Descabe atribuir a titularidade em razão do uso exclusivo para fins profissionais. O uso não pode alterar o domínio. Adquirido durante o casamento, o bem é comum. O só fato de ser utilizado por um dos cônjuges não tem o condão de excluir o co-proprietário. À presunção de que os bens amealhados durante a vida em comum são fruto do esforço mútuo não pode ser oposta presunção outra, agora absoluta, afastando a comunicabilidade pelo Simples fato de serem utilizados na atividade laboral de um deles.
Mas esta não é a única desarrazoada exceção à comunicabilidade, cuja aplicação se revela desastrosa.
Não há como excluir da universalidade dos bens comuns os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (CC, art. 1.659, VI), bem como as pensões, os meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes (CC, art. 1.659, VII). Ora, se os ganhos do trabalho não se comunicam, nem se dividem pensões e rendimentos outros de igual natureza, praticamente tudo é incomunicável, pois a maioria das pessoas vive de seu trabalho. O fruto da atividade laborativa dos cônjuges não pode ser considerado incomunicável, e isso em qualquer dos regimes de bens, sob pena de aniquilar-se o regime patrimonial, tanto no casamento como na união estável, porquanto nesta também vigora o regime da comunhão parcial (CC, art. 1.725). Assim, quando a família sobrevive dos rendimentos do trabalho de um ou de ambos os cônjuges, acabaria instalando-se sempre o regime da separação total de bens, ou melhor, não existiria regime de bens.
De regra, é do esforço pessoal de cada um que advêm os créditos, as sobras e economias para a aquisição dos bens conjugais. Mas cabe figurar a hipótese em que um dos consortes adquire os bens para o lar, enquanto o outro apenas acumula as reservas pessoais advindas de seu trabalho. Consoante reza a lei, os bens adquiridos por aquele serão partilhados, enquanto os que este entesourou restam incomunicáveis. Flagrantemente injusto que o cônjuge que trabalha por contraprestação pecuniária, mas não converte suas economias em patrimônio, seja privilegiado e suas reservas consideradas crédito pessoal e incomunicável. Tal lógica compromete o equilíbrio da divisão das obrigações familiares. Descabido premiar o cônjuge que se esquiva de amealhar patrimônio, preferindo conservar em espécie os proventos do seu trabalho pessoal.
Ao depois, há quem não exerça atividade remunerada. Cabe tomar como exemplo o trabalho doméstico, na maioria das vezes desempenhado pela mulher. Porém, a ausência de remuneração no final do mês não significa que tais tarefas não dispõem de valor econômico. Estas atividades auxiliam, e muito, na constituição do patrimônio, bem como possibilitam que haja sobras orçamentárias. Ditas economias não podem ser contabilizadas como salário do varão imune à divisão, enquanto a mulher, por não ter retorno pecuniário, não é beneficiária de dito privilégio.
Esses dispositivos legais acabam sendo fonte de terríveis injustiças. São hipóteses que não admitem qualquer questionamento, gerando presunções absolutas em confronto às normas que sustentam o regime de bens. Isto é o que basta para justificar a inaplicabilidade dessas regras de exceção, desprovidas de qualquer justificativa. Excluir da comunhão quer os ganhos dos cônjuges, quer os instrumentos de trabalho utilizados por cada um certamente gera desequilíbrio que deságua em prejuízos injustificados e vantagens indevidas.
Os juízes não são meros aplicadores da lei de maneira automática e impensada. Têm sempre de atentar para o efeito concreto que o julgado vai produzir. Uma decisão que não se afine com o princípio da igualdade, não encontre um meio de repelir o enriquecimento sem causa ou deixe de impedir o favorecimento indevido não pode ser chamada de sentença: ato emanado por quem tem o dever de adequar a norma legal ao primado da Justiça.

autoria de = MARIA BERENICE DIAS , Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.

SUCESSÃO DO COMPANHEIRO SEM DESCENDENTES NEM ASCENDENTES APÓS O NOVO CÓDIGO CIVIL:

SUCESSÃO DO COMPANHEIRO SEM DESCENDENTES NEM ASCENDENTES APÓS O NOVO CÓDIGO CIVIL:
JUSTIÇA E LÓGICA DO RAZOÁVEL NA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

O presente estudo tem por objetivo analisar interessante questão que, embora específica, apresenta relevante interesse não só doutrinário como prático, qual seja: a
sucessão envolvendo companheiro falecido, que mantinha união estável, sem ter deixado como herdeiros ascendentes nem descendentes.

Para a adequada compreensão do tema, que apresenta sérias dificuldades, faz-se necessária a correta interpretação das novas disposições advindas com o Código
Civil de 2002, bem como sua repercussão nos diplomas legais anteriores, pertinentes à regulação da união estável1 reconhecida, ademais, no art. 226, § 3º, da
Constituição Federal de 1988.2

Reconhece-se que o posicionamento aqui desenvolvido não representa o entendimento corrente entre os estudiosos do tema. Mesmo assim, a intenção do presente
ensaio é desenvolver a interpretação justa, coerente e adequada das normas que regulam a questão, ciente de que o direito não deve se distanciar da própria lógica,
da razoabilidade e do bom senso.

AS DISPOSIÇÕES DA LEI Nº 8.971/94 E DA LEI Nº 9.278/96 SOBRE O TEMA

A Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, ao regular o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, estabeleceu, de forma direta e clara, em seu art. 2º,
inciso III, que: "na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança".

Portanto, restou expresso que, em se tratando de união estável, caso o companheiro falecer, aquele que sobrevive tem o direito de receber a totalidade da herança
daquele, caso não existam descendentes nem ascendentes.

Trata-se de previsão justa e coerente, pois seria verdadeiro despropósito deixar, na condição mencionada, o sobrevivente desamparado patrimonialmente, até
porque a união estável, com seus efeitos e desdobramentos, deve ser objeto de adequada proteção do Estado (art. 236, § 3º, da CF/88).

Posteriormente, foi publicada a Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, regulando o § 3º do art. 226 da Constituição Federal, tendo o seu art. 7º, parágrafo único,
estabelecido que:

"Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não construir nova união ou casamento,
relativamente ao imóvel destinado à residência da família".

Na realidade, esta é a única disposição, do referido diploma legal, tratando do término da união estável por falecimento; por isso, permaneceu em pleno vigor a regra
do mencionado art. 2º, inciso III, da anterior Lei nº 8.971/94, ao estabelecer a disposição específica de direito das sucessões para o caso.

O CÓDIGO CIVIL DE 2002 E A SUCESSÃO NA UNIÃO ESTÁVEL

A Lei nº 10.406, de 19 de janeiro de 2002, ao instituir o novo Código Civil, passou a trazer disposições particulares à união estável, conforme arts. 1.723 a 1.727,
inseridos no Direito de Família (Livro IV, Título III).

Dentre estas regras, cabe fazer menção ao art. 1.725 do CC-2002, ao prever que: "Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às
relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens". Por isso, aplicando-se o art. 1.658 do diploma civil em vigor, comunicam-se os bens
que sobrevierem aos companheiros, na constância da união estável, com as exceções dos arts. 1.659 a 1.661 devidamente adaptados à hipótese.

A par destas disposições, no Livro V do Código Civil de 2002, pertinente ao Direito das Sucessões, não se verifica ampla regulamentação da sucessão na união
estável.

Aliás, o art. 1.829 do novo diploma civil, pertinente à ordem de sucessão legítima, não faz menção, pelo menos expressamente, ao companheiro.

Na realidade, o único dispositivo versando sobre a matéria é o art. 1.790 do atual Código Civil, com a seguinte redação:

"A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por Lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança".

Cabe verificar, no entanto, qual o efetivo sentido e alcance desta disposição, o que será feito a seguir.

O CONFRONTO DOS ARTS. 1.790 E 1.829 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 COM O ART. 2º, INCISO III, DA LEI Nº 8.971/94

De acordo com a consagrada regra de interpretação, a norma jurídica deve ser interpretada não apenas sob o aspecto gramatical, mas, principalmente, de forma
lógico-sistemática e teleológica.

Ademais, não se deve esquecer o mandamento contido no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/42), no sentido de que: "Na aplicação
da Lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Analisando atentamente o art. 1.790 do Código Civil em vigor, observa-se que este dispositivo não está regulando, de forma exaustiva e completa, a sucessão, como
um todo, envolvendo a união estável.

Reitere-se: o art. 1.790 não é a regulamentação do amplo tema da sucessão no caso de companheiro.

A referida norma, na realidade, trata de tema muito pontual e específico, apenas inserido como um dentre os múltiplos e possíveis aspectos inerentes à vasta temática
da sucessão na união estável.

Ou seja, o citado art. 1.790 regula, tão-somente, como opera a sucessão "quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável".

Outras questões foram – de forma proposital, ou não, pois, de qualquer modo, o que interessa é a mens legis – silenciadas pela disposição em destaque.

Isso é confirmado, primeiramente, pela própria literalidade do dispositivo, porquanto o art. 1.790 estabelece que "a companheira ou o companheiro participará da
sucessão do outro, (vírgula) quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, (vírgula) nas condições seguintes".

A expressão "quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável" está entre vírgulas justamente para se explicitar quais são as regras
especificamente aplicáveis (caso ocorra sucessão) para este tipo particular de bens (os adquiridos onerosamente na vigência da união estável).

Em outras palavras, o art. 1.790, de campo de incidência visivelmente limitado, nada cogitou da sucessão, como um todo, na união estável, nem muito menos regula
como ficam as outras modalidades de bens existentes, que não sejam aqueles adquiridos onerosamente na união estável, como os adquiridos de forma
gratuita e os já presentes antes do início da união.

Tanto é assim que não consta do art. 1.790, nem de qualquer outra disposição legal, que a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro "apenas"
quanto aos bens onerosamente adquiridos na vigência da união estável.3

Além disso, como é evidente, o inciso IV do art. 1.790 somente pode ser interpretado dentro do alcance limitado pelo caput deste mesmo dispositivo, quer dizer, a
disposição do referido inciso ("não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança") somente se aplica quanto aos "bens adquiridos onerosamente
na vigência da união estável". Tanto é assim que consta na parte final do caput do art. 1.790 a expressão "nas condições seguintes".

Por isso, atenta contra o próprio princípio da legalidade (art. 5º, inciso II, da CF/88) interpretar e aplicar o art. 1.790 do Código Civil de 2002 (que traz regras
meramente incidentes para uma particular modalidade de bens na sucessão) com o acréscimo de palavras excludentes, como "apenas" ou qualquer sinônimo (não
constante do dispositivo), acarretando evidentes prejuízos para o direito do companheiro sobrevivente.

Confirmando o acerto desta assertiva, apliquemos o método lógico-sistemático para a melhor compreensão da questão.

As normas jurídicas devem ser interpretadas de acordo com a lógica do razoável, ou seja, com bom senso.

Além disso, não se pode interpretar a regra de direito de forma isolada, fora de seu contexto, mas sim em consonância com o sistema jurídico como um todo.

Aplicando-se estas orientações ao caso, tem-se que o art. 1.790 do Código Civil em vigor não é a única disposição versando sobre a sucessão na união estável.
Como já mencionado, a Lei nº 8.971/1994, em seu art. 2º, inciso III, também trata, precisamente, da matéria.

Obviamente que a maior discussão encontra-se em saber se esta disposição permanece, ou não, em vigor, frente ao novo Código Civil.

A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 2º, § 1º, estabelece que:

"A Lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a Lei
anterior".

Vejamos se uma destas três hipóteses ocorreu no caso em análise.

A Lei nº 10.406/2002 (Código Civil de 2002), em seu art. 2.045, apenas revogou, de forma expressa, a Lei nº 3.071/1916 (Código Civil de 1916) e a Parte
Primeira da Lei nº 556/1850 (Código Comercial).

O novo Código Civil também não apresenta disposição incompatível com a integralidade do art. 2º, III, da Lei nº 8.971/94, pois, como já demonstrado, o art. 1.790
é limitado a regular o estreito tema de como ficam os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável; a sucessão, quanto às outras modalidades de bens,
não é tratada em qualquer norma posterior à Lei nº 8.971/94.

Da mesma forma, não se verifica previsão completa a respeito da sucessão, em seu todo, quando se trata de união estável. Reitere-se que o art. 1.790 não se presta
a tanto, nem tem esta pretensão, pois apenas traz a regra específica e pertinente a certa classe especial de bens, sem nada cogitar das outras modalidades, nem
estabelecer exclusões contrárias ao direito do companheiro sobrevivente.

Por isso, de acordo o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, a contrario sensu, resta claro que o art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94, não foi
revogado por completo, nem expressa, nem tacitamente.

Aliás, ainda de acordo com o referido diploma de 1942 (LICC), em seu art. 2º, § 2º:

"A Lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a Lei anterior".

É esta, exatamente, a hipótese em questão.

A Lei nova, no caso, o Código Civil de 2002, estabelece:

a) disposições gerais pertinentes à união estável, conforme os arts. 1.723 a 1.727;

b) disposição especial, particular sobre como se opera a sucessão dos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, conforme art. 1.790.

Essas normas gerais e a referida norma especial, ainda que posteriores, não revogam nem modificam a integralidade da Lei anterior, no caso, o art. 2º, inciso III, da
Lei nº 8.971/94, pois este dispositivo regula tema não abordado pelas regras posteriores, qual seja: a sucessão do companheiro, quanto a todas as modalidades de
bens, na falta de descendentes e de ascendentes.

Obviamente, em se tratando de sucessão na união estável, a partir da entrada em vigor do novo Código Civil (art. 2.044), deixa de incidir o art. 2º, inciso III, da Lei
nº 8.971/94 (apenas) quanto à modalidade especial dos bens "adquiridos onerosamente na vigência da união estável". Para estes bens (e somente quanto a eles),
aplica-se a nova e especial previsão do art. 1.790 do Código Civil de 2002.

No entanto, quanto às outras espécies de bens, notadamente os adquiridos gratuitamente na vigência da união estável, bem como os adquiridos (gratuita ou
onerosamente) pelo companheiro falecido antes da união estável, permanece em pleno vigor e eficaz o art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94, devendo, assim, ser
aplicado.4

Por isso, o máximo que se pode admitir é a mera derrogação (ou seja, revogação parcial) desta disposição da Lei de 1994: quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, não mais incide o inciso III do art. 2º da Lei nº 8.971, mas sim o art. 1.790 do Código de 2002, quando a sucessão é
aberta (art. 1.784) a partir da entrada em vigor do novo Código Civil (art. 2.044).

Quanto às sucessões abertas na vigência do Código Civil de 1916, conforme art. 2.041 do atual diploma civil: "As disposições deste Código relativas à ordem de
vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na Lei anterior (Lei nº 3.071, de 1º de
janeiro de 1916)".

A correção da assertiva de que para os bens não mencionados no art. 1.790 deve-se aplicar o art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94, fica ainda mais evidente
através da utilização da interpretação teleológica.

Falecendo o companheiro que não possui nem descendentes, nem ascendentes, penalizando o sobrevivente com o desamparo patrimonial, seria atentar contra a sua
dignidade, premiando eventuais colaterais que, normalmente, não participam ou, quando muito, permanecem bem mais distantes do convívio com o de cujus, em
comparação com o companheiro, com quem se manteve a estreita convivência no dia-a-dia. Dar guarida a tal injustiça não atende aos fins sociais do direito,
almejados para o desenvolvimento pleno, justo e digno da sociedade por ele regulada.

Por isso, sendo a hipótese de união estável, ao se verificar a ordem de sucessão legítima, deve-se aplicar o art. 1.829 do Código Civil de 2002 de forma sistemática,
ou seja, em consonância não só com o art. 1.790 do mesmo diploma legal (no que se refere aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável), mas
principalmente com o art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94 (quanto aos bens adquiridos gratuitamente na constância da união estável e àqueles adquiridos antes desta).

O PROJETO DE LEI Nº 6.960/2002 E A SUCESSÃO NA UNIÃO ESTÁVEL

O Projeto de Lei nº 6.960/02, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza (falecido), pretende alterar diversos artigos do Código Civil em vigor, inclusive quanto ao tema
aqui tratado, o art. 1.790, propondo-lhe a seguinte redação:

"O companheiro participará da sucessão do outro na forma seguinte:

I – em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunhão de bens
durante a união estável e o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos companheiros, se tivesse ocorrido, observada a situação
existente no começo da convivência, fosse pelo regime da separação obrigatória (art. 1.641);

II – em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes;

III – em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à totalidade da herança.

Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na
herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar." (NR)

A justificativa para esta alteração reside, justamente, no sentido de que: "O art. 1.790 do Código Civil, tal como posto, significa um retrocesso na sucessão entre
companheiros, se comparado com a legislação até então em vigor – Leis nos 8.971/94 e 9.278/96".

De acordo com esta redação proposta, o parágrafo único do art. 1.790 passa a tratar sobre o mesmo tema constante do anterior parágrafo único do art. 7º da Lei nº
9.278/96.

Além disso, a nova redação proposta ao art. 1.790, caput e incisos, deixa de se restringir aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável,
passando, diversamente, a ser genérica, ou seja, não mais fazendo distinção quanto às diversas modalidades de bens, formas e momentos de sua aquisição.

Quanto ao tema especificamente estudado, em que o companheiro falece sem deixar descendente, nem ascendente, dispõe a nova redação proposta ao inciso IV do
art. 1.790 que o companheiro sobrevivente "terá direito à totalidade da herança". Ou seja, neste aspecto, segue a correta e justa orientação já prevista na Lei nº
8.971/94, art. 2º, inciso III.

Por isso, o mesmo Projeto de Lei nº 6.960/02, ao propor nova redação ao art. 2.045 do Código Civil de 2002, passa a estabelecer a revogação expressa tanto da
Lei nº 8.971/94, como da Lei nº 9.278/96, pois, com a eventual aprovação do referido Projeto, a matéria em questão passa a ser integralmente regida pelo novo
Código Civil.

Aliás, isso confirma a tese de que a Lei nº 8.971/94 não se encontra, atualmente, totalmente revogada pelo Código Civil de 2002, pois, se isso já tivesse ocorrido, o
Projeto de Lei nº 6.960 não iria efetuar a mencionada alteração no art. 2.045.

CONCLUSÃO

Em se tratando de sucessão que envolva união estável, para se estabelecer, corretamente, a ordem de sucessão legítima, além do art. 1.829 do Código Civil de 2002,
incidem as disposições do art. 1.790 do mesmo diploma legal.

No entanto, embora reconhecendo que o posicionamento aqui desenvolvido é diverso do corrente na doutrina especializada, de acordo com o verdadeiro sentido do
art. 1.790 do novo Código Civil, este dispositivo tem um alcance bem limitado, pois só dispõe como fica a sucessão de uma modalidade específica de bens, qual
seja, os "adquiridos onerosamente na constância da união estável".

As outras questões, pertinentes à sucessão na união estável, não estão versadas na norma em destaque.

Conseqüentemente, quanto às outras espécies de bens, a sua sucessão, em se tratando de união estável, permanece regulada pelo art. 2º, inciso III, da Lei nº
8.971/94, que se mantém em vigor e aplicável quanto aos bens adquiridos gratuitamente na constância da união estável, bem como em relação aos bens adquiridos,
onerosa ou gratuitamente, antes da vigência da união estável.

Apenas e tão-somente quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável é que o art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94 foi derrogado pelo art.
1.790 do Código Civil de 2002.

Em conclusão, mesmo abrindo-se a sucessão já na vigência do Código Civil de 2002, falecendo o companheiro e deixando, apenas, bens adquiridos antes da
vigência da união estável e bens adquiridos de forma gratuita na sua constância, na falta de descendentes e ascendentes, o sobrevivente "terá direito à totalidade da
herança". Nesta situação, havendo bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, aplicam-se as disposições dos incisos III e IV do art. 1.790, tendo o
companheiro sobrevivente direito à totalidade destes bens apenas quando não houver "parentes sucessíveis" (ou seja, de acordo com o art. 1.829, nem descendentes,
nem ascendentes, nem colaterais).

Não se argumente que o companheiro, na hipótese acima, está sendo mais privilegiado do que se fosse casado no regime da comunhão parcial de bens. Caso se
tratasse de casamento, mesmo no referido regime, falecendo o cônjuge e deixando, apenas, bens adquiridos antes da vigência do matrimônio e bens adquiridos de
forma gratuita na sua constância, não havendo descendentes nem ascendentes, o "cônjuge sobrevivente" tem direito a toda a herança, conforme art. 1.829, inciso III,
do Código Civil de 2002. Nesta situação, havendo bens adquiridos onerosamente na vigência do casamento, o cônjuge sobrevivente é o sucessor legítimo, com
direito à totalidade destes bens, também conforme art. 1.829, III, pelo fato de não haver ascendentes nem descendentes do falecido.

O Projeto de Lei nº 6.960/2002 propõe nova redação ao art. 1.790 do novo Código Civil, deixando de se restringir (apenas) aos bens adquiridos onerosamente na
constância da união estável, para passar a dispor de forma genérica, ou seja, sem distinguir quanto às diversas modalidades de bens.

De acordo com a redação proposta ao inciso IV do art. 1.790, se o companheiro falece sem deixar descendente, nem ascendente, o sobrevivente "terá direito à
totalidade da herança", o que inclui todas as modalidades de bens (não só os adquiridos onerosamente, mas também gratuitamente, na constância da união estável,
bem como aqueles advindos antes da sua existência), mantendo-se, neste aspecto, a justa e coerente orientação da Lei nº 8.971/94, art. 2º, inciso III.



BIBLIOGRAFIA

Amorim, Sebastião Luiz; Oliveira, Euclides Benedito de. Inventários e Partilhas: Direito das Sucessões: Teoria e Prática, 14. ed., São Paulo, Livraria e Editora
Universitária de Direito, 2001.

Diniz, Maria Helena. Código Civil Anotado, 9. ed., São Paulo, Saraiva, 2003.

Nery Júnior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante, 3. ed., São Paulo, RT, 2005.

Oliveira, Euclides de. União Estável: do Concubinato ao Casamento: Antes e Depois do Novo Código Civil, 6. ed., São Paulo, Método, 2003.



NOTAS

1 Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994 e Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996.

2 "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a Lei facilitar sua conversão em
casamento".

3 Em sentido diverso, cf. Oliveira, Euclides de. União Estável: do Concubinato ao Casamento: Antes e Depois do Novo Código Civil, 6. ed., São Paulo,
Método, 2003, pp. 210-211; Diniz, Maria Helena. Código Civil Anotado, 9. ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 1230.

4 Em sentido diverso, cf. Nery Júnior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante, 3. ed., São Paulo, RT,
2005, p. 824.

INFORME = Artigo Publicado na Revista Prática Juridica.

SUCESSÃO DO COMPANHEIRO SEM DESCENDENTES NEM ASCENDENTES APÓS O NOVO CÓDIGO CIVIL:

SUCESSÃO DO COMPANHEIRO SEM DESCENDENTES NEM ASCENDENTES APÓS O NOVO CÓDIGO CIVIL:
JUSTIÇA E LÓGICA DO RAZOÁVEL NA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

O presente estudo tem por objetivo analisar interessante questão que, embora específica, apresenta relevante interesse não só doutrinário como prático, qual seja: a
sucessão envolvendo companheiro falecido, que mantinha união estável, sem ter deixado como herdeiros ascendentes nem descendentes.

Para a adequada compreensão do tema, que apresenta sérias dificuldades, faz-se necessária a correta interpretação das novas disposições advindas com o Código
Civil de 2002, bem como sua repercussão nos diplomas legais anteriores, pertinentes à regulação da união estável1 reconhecida, ademais, no art. 226, § 3º, da
Constituição Federal de 1988.2

Reconhece-se que o posicionamento aqui desenvolvido não representa o entendimento corrente entre os estudiosos do tema. Mesmo assim, a intenção do presente
ensaio é desenvolver a interpretação justa, coerente e adequada das normas que regulam a questão, ciente de que o direito não deve se distanciar da própria lógica,
da razoabilidade e do bom senso.

AS DISPOSIÇÕES DA LEI Nº 8.971/94 E DA LEI Nº 9.278/96 SOBRE O TEMA

A Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, ao regular o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, estabeleceu, de forma direta e clara, em seu art. 2º,
inciso III, que: "na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança".

Portanto, restou expresso que, em se tratando de união estável, caso o companheiro falecer, aquele que sobrevive tem o direito de receber a totalidade da herança
daquele, caso não existam descendentes nem ascendentes.

Trata-se de previsão justa e coerente, pois seria verdadeiro despropósito deixar, na condição mencionada, o sobrevivente desamparado patrimonialmente, até
porque a união estável, com seus efeitos e desdobramentos, deve ser objeto de adequada proteção do Estado (art. 236, § 3º, da CF/88).

Posteriormente, foi publicada a Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, regulando o § 3º do art. 226 da Constituição Federal, tendo o seu art. 7º, parágrafo único,
estabelecido que:

"Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não construir nova união ou casamento,
relativamente ao imóvel destinado à residência da família".

Na realidade, esta é a única disposição, do referido diploma legal, tratando do término da união estável por falecimento; por isso, permaneceu em pleno vigor a regra
do mencionado art. 2º, inciso III, da anterior Lei nº 8.971/94, ao estabelecer a disposição específica de direito das sucessões para o caso.

O CÓDIGO CIVIL DE 2002 E A SUCESSÃO NA UNIÃO ESTÁVEL

A Lei nº 10.406, de 19 de janeiro de 2002, ao instituir o novo Código Civil, passou a trazer disposições particulares à união estável, conforme arts. 1.723 a 1.727,
inseridos no Direito de Família (Livro IV, Título III).

Dentre estas regras, cabe fazer menção ao art. 1.725 do CC-2002, ao prever que: "Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às
relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens". Por isso, aplicando-se o art. 1.658 do diploma civil em vigor, comunicam-se os bens
que sobrevierem aos companheiros, na constância da união estável, com as exceções dos arts. 1.659 a 1.661 devidamente adaptados à hipótese.

A par destas disposições, no Livro V do Código Civil de 2002, pertinente ao Direito das Sucessões, não se verifica ampla regulamentação da sucessão na união
estável.

Aliás, o art. 1.829 do novo diploma civil, pertinente à ordem de sucessão legítima, não faz menção, pelo menos expressamente, ao companheiro.

Na realidade, o único dispositivo versando sobre a matéria é o art. 1.790 do atual Código Civil, com a seguinte redação:

"A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por Lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança".

Cabe verificar, no entanto, qual o efetivo sentido e alcance desta disposição, o que será feito a seguir.

O CONFRONTO DOS ARTS. 1.790 E 1.829 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 COM O ART. 2º, INCISO III, DA LEI Nº 8.971/94

De acordo com a consagrada regra de interpretação, a norma jurídica deve ser interpretada não apenas sob o aspecto gramatical, mas, principalmente, de forma
lógico-sistemática e teleológica.

Ademais, não se deve esquecer o mandamento contido no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/42), no sentido de que: "Na aplicação
da Lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Analisando atentamente o art. 1.790 do Código Civil em vigor, observa-se que este dispositivo não está regulando, de forma exaustiva e completa, a sucessão, como
um todo, envolvendo a união estável.

Reitere-se: o art. 1.790 não é a regulamentação do amplo tema da sucessão no caso de companheiro.

A referida norma, na realidade, trata de tema muito pontual e específico, apenas inserido como um dentre os múltiplos e possíveis aspectos inerentes à vasta temática
da sucessão na união estável.

Ou seja, o citado art. 1.790 regula, tão-somente, como opera a sucessão "quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável".

Outras questões foram – de forma proposital, ou não, pois, de qualquer modo, o que interessa é a mens legis – silenciadas pela disposição em destaque.

Isso é confirmado, primeiramente, pela própria literalidade do dispositivo, porquanto o art. 1.790 estabelece que "a companheira ou o companheiro participará da
sucessão do outro, (vírgula) quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, (vírgula) nas condições seguintes".

A expressão "quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável" está entre vírgulas justamente para se explicitar quais são as regras
especificamente aplicáveis (caso ocorra sucessão) para este tipo particular de bens (os adquiridos onerosamente na vigência da união estável).

Em outras palavras, o art. 1.790, de campo de incidência visivelmente limitado, nada cogitou da sucessão, como um todo, na união estável, nem muito menos regula
como ficam as outras modalidades de bens existentes, que não sejam aqueles adquiridos onerosamente na união estável, como os adquiridos de forma
gratuita e os já presentes antes do início da união.

Tanto é assim que não consta do art. 1.790, nem de qualquer outra disposição legal, que a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro "apenas"
quanto aos bens onerosamente adquiridos na vigência da união estável.3

Além disso, como é evidente, o inciso IV do art. 1.790 somente pode ser interpretado dentro do alcance limitado pelo caput deste mesmo dispositivo, quer dizer, a
disposição do referido inciso ("não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança") somente se aplica quanto aos "bens adquiridos onerosamente
na vigência da união estável". Tanto é assim que consta na parte final do caput do art. 1.790 a expressão "nas condições seguintes".

Por isso, atenta contra o próprio princípio da legalidade (art. 5º, inciso II, da CF/88) interpretar e aplicar o art. 1.790 do Código Civil de 2002 (que traz regras
meramente incidentes para uma particular modalidade de bens na sucessão) com o acréscimo de palavras excludentes, como "apenas" ou qualquer sinônimo (não
constante do dispositivo), acarretando evidentes prejuízos para o direito do companheiro sobrevivente.

Confirmando o acerto desta assertiva, apliquemos o método lógico-sistemático para a melhor compreensão da questão.

As normas jurídicas devem ser interpretadas de acordo com a lógica do razoável, ou seja, com bom senso.

Além disso, não se pode interpretar a regra de direito de forma isolada, fora de seu contexto, mas sim em consonância com o sistema jurídico como um todo.

Aplicando-se estas orientações ao caso, tem-se que o art. 1.790 do Código Civil em vigor não é a única disposição versando sobre a sucessão na união estável.
Como já mencionado, a Lei nº 8.971/1994, em seu art. 2º, inciso III, também trata, precisamente, da matéria.

Obviamente que a maior discussão encontra-se em saber se esta disposição permanece, ou não, em vigor, frente ao novo Código Civil.

A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 2º, § 1º, estabelece que:

"A Lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a Lei
anterior".

Vejamos se uma destas três hipóteses ocorreu no caso em análise.

A Lei nº 10.406/2002 (Código Civil de 2002), em seu art. 2.045, apenas revogou, de forma expressa, a Lei nº 3.071/1916 (Código Civil de 1916) e a Parte
Primeira da Lei nº 556/1850 (Código Comercial).

O novo Código Civil também não apresenta disposição incompatível com a integralidade do art. 2º, III, da Lei nº 8.971/94, pois, como já demonstrado, o art. 1.790
é limitado a regular o estreito tema de como ficam os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável; a sucessão, quanto às outras modalidades de bens,
não é tratada em qualquer norma posterior à Lei nº 8.971/94.

Da mesma forma, não se verifica previsão completa a respeito da sucessão, em seu todo, quando se trata de união estável. Reitere-se que o art. 1.790 não se presta
a tanto, nem tem esta pretensão, pois apenas traz a regra específica e pertinente a certa classe especial de bens, sem nada cogitar das outras modalidades, nem
estabelecer exclusões contrárias ao direito do companheiro sobrevivente.

Por isso, de acordo o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, a contrario sensu, resta claro que o art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94, não foi
revogado por completo, nem expressa, nem tacitamente.

Aliás, ainda de acordo com o referido diploma de 1942 (LICC), em seu art. 2º, § 2º:

"A Lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a Lei anterior".

É esta, exatamente, a hipótese em questão.

A Lei nova, no caso, o Código Civil de 2002, estabelece:

a) disposições gerais pertinentes à união estável, conforme os arts. 1.723 a 1.727;

b) disposição especial, particular sobre como se opera a sucessão dos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, conforme art. 1.790.

Essas normas gerais e a referida norma especial, ainda que posteriores, não revogam nem modificam a integralidade da Lei anterior, no caso, o art. 2º, inciso III, da
Lei nº 8.971/94, pois este dispositivo regula tema não abordado pelas regras posteriores, qual seja: a sucessão do companheiro, quanto a todas as modalidades de
bens, na falta de descendentes e de ascendentes.

Obviamente, em se tratando de sucessão na união estável, a partir da entrada em vigor do novo Código Civil (art. 2.044), deixa de incidir o art. 2º, inciso III, da Lei
nº 8.971/94 (apenas) quanto à modalidade especial dos bens "adquiridos onerosamente na vigência da união estável". Para estes bens (e somente quanto a eles),
aplica-se a nova e especial previsão do art. 1.790 do Código Civil de 2002.

No entanto, quanto às outras espécies de bens, notadamente os adquiridos gratuitamente na vigência da união estável, bem como os adquiridos (gratuita ou
onerosamente) pelo companheiro falecido antes da união estável, permanece em pleno vigor e eficaz o art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94, devendo, assim, ser
aplicado.4

Por isso, o máximo que se pode admitir é a mera derrogação (ou seja, revogação parcial) desta disposição da Lei de 1994: quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, não mais incide o inciso III do art. 2º da Lei nº 8.971, mas sim o art. 1.790 do Código de 2002, quando a sucessão é
aberta (art. 1.784) a partir da entrada em vigor do novo Código Civil (art. 2.044).

Quanto às sucessões abertas na vigência do Código Civil de 1916, conforme art. 2.041 do atual diploma civil: "As disposições deste Código relativas à ordem de
vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na Lei anterior (Lei nº 3.071, de 1º de
janeiro de 1916)".

A correção da assertiva de que para os bens não mencionados no art. 1.790 deve-se aplicar o art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94, fica ainda mais evidente
através da utilização da interpretação teleológica.

Falecendo o companheiro que não possui nem descendentes, nem ascendentes, penalizando o sobrevivente com o desamparo patrimonial, seria atentar contra a sua
dignidade, premiando eventuais colaterais que, normalmente, não participam ou, quando muito, permanecem bem mais distantes do convívio com o de cujus, em
comparação com o companheiro, com quem se manteve a estreita convivência no dia-a-dia. Dar guarida a tal injustiça não atende aos fins sociais do direito,
almejados para o desenvolvimento pleno, justo e digno da sociedade por ele regulada.

Por isso, sendo a hipótese de união estável, ao se verificar a ordem de sucessão legítima, deve-se aplicar o art. 1.829 do Código Civil de 2002 de forma sistemática,
ou seja, em consonância não só com o art. 1.790 do mesmo diploma legal (no que se refere aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável), mas
principalmente com o art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94 (quanto aos bens adquiridos gratuitamente na constância da união estável e àqueles adquiridos antes desta).

O PROJETO DE LEI Nº 6.960/2002 E A SUCESSÃO NA UNIÃO ESTÁVEL

O Projeto de Lei nº 6.960/02, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza (falecido), pretende alterar diversos artigos do Código Civil em vigor, inclusive quanto ao tema
aqui tratado, o art. 1.790, propondo-lhe a seguinte redação:

"O companheiro participará da sucessão do outro na forma seguinte:

I – em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunhão de bens
durante a união estável e o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos companheiros, se tivesse ocorrido, observada a situação
existente no começo da convivência, fosse pelo regime da separação obrigatória (art. 1.641);

II – em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes;

III – em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à totalidade da herança.

Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na
herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar." (NR)

A justificativa para esta alteração reside, justamente, no sentido de que: "O art. 1.790 do Código Civil, tal como posto, significa um retrocesso na sucessão entre
companheiros, se comparado com a legislação até então em vigor – Leis nos 8.971/94 e 9.278/96".

De acordo com esta redação proposta, o parágrafo único do art. 1.790 passa a tratar sobre o mesmo tema constante do anterior parágrafo único do art. 7º da Lei nº
9.278/96.

Além disso, a nova redação proposta ao art. 1.790, caput e incisos, deixa de se restringir aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável,
passando, diversamente, a ser genérica, ou seja, não mais fazendo distinção quanto às diversas modalidades de bens, formas e momentos de sua aquisição.

Quanto ao tema especificamente estudado, em que o companheiro falece sem deixar descendente, nem ascendente, dispõe a nova redação proposta ao inciso IV do
art. 1.790 que o companheiro sobrevivente "terá direito à totalidade da herança". Ou seja, neste aspecto, segue a correta e justa orientação já prevista na Lei nº
8.971/94, art. 2º, inciso III.

Por isso, o mesmo Projeto de Lei nº 6.960/02, ao propor nova redação ao art. 2.045 do Código Civil de 2002, passa a estabelecer a revogação expressa tanto da
Lei nº 8.971/94, como da Lei nº 9.278/96, pois, com a eventual aprovação do referido Projeto, a matéria em questão passa a ser integralmente regida pelo novo
Código Civil.

Aliás, isso confirma a tese de que a Lei nº 8.971/94 não se encontra, atualmente, totalmente revogada pelo Código Civil de 2002, pois, se isso já tivesse ocorrido, o
Projeto de Lei nº 6.960 não iria efetuar a mencionada alteração no art. 2.045.

CONCLUSÃO

Em se tratando de sucessão que envolva união estável, para se estabelecer, corretamente, a ordem de sucessão legítima, além do art. 1.829 do Código Civil de 2002,
incidem as disposições do art. 1.790 do mesmo diploma legal.

No entanto, embora reconhecendo que o posicionamento aqui desenvolvido é diverso do corrente na doutrina especializada, de acordo com o verdadeiro sentido do
art. 1.790 do novo Código Civil, este dispositivo tem um alcance bem limitado, pois só dispõe como fica a sucessão de uma modalidade específica de bens, qual
seja, os "adquiridos onerosamente na constância da união estável".

As outras questões, pertinentes à sucessão na união estável, não estão versadas na norma em destaque.

Conseqüentemente, quanto às outras espécies de bens, a sua sucessão, em se tratando de união estável, permanece regulada pelo art. 2º, inciso III, da Lei nº
8.971/94, que se mantém em vigor e aplicável quanto aos bens adquiridos gratuitamente na constância da união estável, bem como em relação aos bens adquiridos,
onerosa ou gratuitamente, antes da vigência da união estável.

Apenas e tão-somente quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável é que o art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94 foi derrogado pelo art.
1.790 do Código Civil de 2002.

Em conclusão, mesmo abrindo-se a sucessão já na vigência do Código Civil de 2002, falecendo o companheiro e deixando, apenas, bens adquiridos antes da
vigência da união estável e bens adquiridos de forma gratuita na sua constância, na falta de descendentes e ascendentes, o sobrevivente "terá direito à totalidade da
herança". Nesta situação, havendo bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, aplicam-se as disposições dos incisos III e IV do art. 1.790, tendo o
companheiro sobrevivente direito à totalidade destes bens apenas quando não houver "parentes sucessíveis" (ou seja, de acordo com o art. 1.829, nem descendentes,
nem ascendentes, nem colaterais).

Não se argumente que o companheiro, na hipótese acima, está sendo mais privilegiado do que se fosse casado no regime da comunhão parcial de bens. Caso se
tratasse de casamento, mesmo no referido regime, falecendo o cônjuge e deixando, apenas, bens adquiridos antes da vigência do matrimônio e bens adquiridos de
forma gratuita na sua constância, não havendo descendentes nem ascendentes, o "cônjuge sobrevivente" tem direito a toda a herança, conforme art. 1.829, inciso III,
do Código Civil de 2002. Nesta situação, havendo bens adquiridos onerosamente na vigência do casamento, o cônjuge sobrevivente é o sucessor legítimo, com
direito à totalidade destes bens, também conforme art. 1.829, III, pelo fato de não haver ascendentes nem descendentes do falecido.

O Projeto de Lei nº 6.960/2002 propõe nova redação ao art. 1.790 do novo Código Civil, deixando de se restringir (apenas) aos bens adquiridos onerosamente na
constância da união estável, para passar a dispor de forma genérica, ou seja, sem distinguir quanto às diversas modalidades de bens.

De acordo com a redação proposta ao inciso IV do art. 1.790, se o companheiro falece sem deixar descendente, nem ascendente, o sobrevivente "terá direito à
totalidade da herança", o que inclui todas as modalidades de bens (não só os adquiridos onerosamente, mas também gratuitamente, na constância da união estável,
bem como aqueles advindos antes da sua existência), mantendo-se, neste aspecto, a justa e coerente orientação da Lei nº 8.971/94, art. 2º, inciso III.



BIBLIOGRAFIA

Amorim, Sebastião Luiz; Oliveira, Euclides Benedito de. Inventários e Partilhas: Direito das Sucessões: Teoria e Prática, 14. ed., São Paulo, Livraria e Editora
Universitária de Direito, 2001.

Diniz, Maria Helena. Código Civil Anotado, 9. ed., São Paulo, Saraiva, 2003.

Nery Júnior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante, 3. ed., São Paulo, RT, 2005.

Oliveira, Euclides de. União Estável: do Concubinato ao Casamento: Antes e Depois do Novo Código Civil, 6. ed., São Paulo, Método, 2003.



NOTAS

1 Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994 e Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996.

2 "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a Lei facilitar sua conversão em
casamento".

3 Em sentido diverso, cf. Oliveira, Euclides de. União Estável: do Concubinato ao Casamento: Antes e Depois do Novo Código Civil, 6. ed., São Paulo,
Método, 2003, pp. 210-211; Diniz, Maria Helena. Código Civil Anotado, 9. ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 1230.

4 Em sentido diverso, cf. Nery Júnior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante, 3. ed., São Paulo, RT,
2005, p. 824.